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Passos perdidos em um cabide bagunçado

-Baxinho safado!

-Foi a primeira música que me veio na cabeça, eu juro!

Acho que essa foi a única vez que ele mentiu pra ela. Mentira não; seria forte demais, e sentimentos fortes demais já ocupam lugar nessa dança. Os passos, pelo contrário, são leves, macios e inexplicavelmente orgânicos. São naturais, espontâneos, e de uma harmonia que daria inveja a Netuno.

Não sei dizer se aquele foi o verdadeiro primeiro passo. Talvez tenha sido mesmo. Porque uma dança – ahhh, uma boa dança – não começa só quando as mãos se juntam, as respirações se encontram e os cheiros vampirescos se batem. Tudo começa, dizem os que entendem, quando as janelas se olham, e quando as distâncias parecem muito mais distantes que todas as viagens do homem a Lua. Aos poucos, enquanto todos rodam e rodam sem saber para onde ir, enquanto casais se digladiam com sapatos de pontas finas e gravatas borboletas, os dançantes se olham como se fossem saber que aquilo tudo será apenas o começo de uma eterna valsamambosambaforrozeadocomtango e que, de todas contradições possíveis, eles são a representação da melhor de todas.

Os pés quentes aquecem as extremidades geladas. Gargalhadas abismais engrandecem pequenas camas. Mordidas conseguem até melhorar o gosto do mate, acordar cedo agora parece ser uma tarefa arduamente prazerosa. Nacionalidades e passeios turísticos são colocados todos de cabeça pra baixo, novas profissões são re-inventadas, e todo tipo de declaração é realmente sincero. Bilhetes descarados são escondidos. Livros e roteiros são completamente esquecidos, e tudo que parecia não ter sentido nenhum conjectura ao lado dos astros.

Os passos seguintes continuam na mesma regência astral e suntuosa. Cada vez mais imersos em uma partitura só deles, os dois começam a perder a vergonha e o medo de mostrarem que são tão incompletos e medrosos quanto todos os outros dançantes iniciantes. Esquecem que a luz já acendeu, e esquecem que “O Soool já raioooou!” para continuar abençoando o bendito maestro que inventou o botão “Só mais 10 minutinhos, por favor!”.

E assim, pernas se cruzam e cidades se desencontram só pra provar que nenhum salão é grande demais para quem sabe bailar com simplicidade, sinceridade e entrega…


Tem dias que nem querem ser dias

Tem dias que qualquer música é uma música de amor

que qualquer melodia te faz chorar

Tem noites que até parecem dias

e dias que parecem noites sem luar

 

Tem vozes que as vezes só se escuta sozinho

e pessoas que só se vê no meio do caminho

amores que se descobre em desespero profundo

e acordes que querem abraçar o mundo

 

Tem vezes que alguns lugares nunca são o suficiente

que nunca a cerveja estará gelada

que em pleno auge da madrugada

a melhor solução seja dormir sem estar sorridente

 

Há instantes incompreensíveis

e confusões irreparáveis

Há palavras de agradecimento

e xingamentos condenáveis

 

E há também dias que não querem ser dias

paixões que não querem ser vistas

beijos que não querem ser molhados

e sinônimos que não serão nunca parafraseados

 

Tem vezes que é melhor nem saber,

ou torcer para escolher a hora certa de começar

Tem potências em que é melhor não pensar

e um segredo que nunca será possível entender


Sobre o Sol dos trópicos, a efervescência bretã no grito universal do rock and roll.

Audácia a minha dizer que o rock é universal. Audácia maior foi a de quem algum dia, em algum canto ou lugarejo de Portovo Alegre, me disse que não valeria pagar tão caro para ver um ex-beatle velho, mercenário e marqueteiro. Não quero aqui mensurar e nem defender mais um dos muitos pontos de vista sobre o assunto, até porque pra falar ou julgar o valor da arte já tem muita gente chata por aí, há muito tempo: até mesmo quando Mozart foi enterrado em uma cova comum, cercado por mendigos (que nem por isso não poderiam ser gênios não reconhecidos), passando pela pré-histórica e banal marcha contra a guitarra elétrica, até hoje, no antagonismo entre o anti-populismo e supervalorização da cultura popular – que muitas vezes só ajuda a reforçar alguns preconceitos da classe média (sim, eu tenho preconceito para com meus pares), gente de todos os tipos enche a boca para dizer o que é legítimo ou o que não é, o que é arte e o que é reprodução. (que pérfida herança benjaminiana).

A jornada épica que começou na acirrada – porém cômoda – disputa de compras de ingresso pela internet, terminou dia 08, perto da primeira hora de uma eterna e reverberante segunda-feira, que mudou para sempre a vida de no mínimo cerca de 50.000 pessoas na cidade de Porto Alegre.

Não olhem para a mão direita!!!

O glorioso e costumeiro Sol da cidade mais fervida do Sul do mundo não era páreo para tamanha vontade. Do meio do dia, até as subsequentes 12 horas de uma emoção coletiva, muita coisa aconteceu, e muita melanina foi queimada. Chegar tão cedo pareceu uma escolha razoável, visto que as filas se desmembravam em 5 ou 6 “rabos”, onde organizadores e colaboradores do evento se esforçavam em uma tarefa quase-impossível de orientar ávidos e calorosos fãs que chegavam com suas bolhas e mais bolhas de expectativas.

Ao tomar meu lugar na fila, já comecei a sentir o imbróglio emocional típico de um adolescente antes de suas primeiras vezes. O primeiro beijo, a primeira tragada de maconha, a primeira transa, e o primeiro show de um Beatle. Com um leve número de mantimentos, dos doces aos sagados, dos secos aos molhados, o que sustentou a conversa e a amizade recém formada debaixo da luz invasiva do astro-rei foram as muitas latas de cerveja.

Grande Dani, parceiro de fila!!!

O primeiro momento de ansiedade mais eloquente foi quando a fila em que eu estava, do portão 6 e 2, começou a andar. A passos lentos, rumo ao inexplicável e inimaginável palco, de encontro a um artista que escreveu grande parte da história do rock and roll, que disse ao mundo, junto com mais 3 pessoas, como seria possível sobreviver às interpéries do tempo sem mudar suas referências. Um minúsculo e banal passo para a humanidade, um gigantesco e inenarrável passo para mim.

O que talvez os grandes não-fãs dos Beatles não conseguiram ainda entender, e talvez por isso tenham ficado durante todo o tempo reclamando da importância e do valor que todos dava ao show, ao evento mais aguardado nos útlimos 2 séculos e pouquinho de existência da cidade de Porto Alegre, é a importância da banda, e principalmente de Paul Macartney, para a história da cultura pop ocidental. Talvez seja um erro valorizar tanto assim uma indústria cultural baseada fortemente no consumo, mas mesmo assim, eu afirmo e continuo dizendo, há mais de 18 anos, desde que ouvi Beatles pela primeira vez ao lado do meu pai, que “eu gosto de Beatles!!!”

Para dar tons homéricos à minha odisséia particular, uma vertiginosa e abrupta queda de pressão antes do show me consumiram de maneira nefasta. Vendavais de inseguranças, o medo de uma multidão enfurecida, e algumas atitudes politicamente incorretas, quase me levaram ao chão e me fizeram perder o maior evento já presenciado nesta curta e ainda inesperada biografia do que vos fala. Passado o susto, depois de uma boa dose de sal, suor e abanos quentes, lá estava eu, sem acreditar no que começava a se desenrolar diante de todas as minhas sensações.

Felicidade na centésima potência!!!

Durante todo o espetáculo, Paul soube fazer magistralmente uma seleção de músicas que passava pelas suas melhores fases da carreira solo, sem deixar de lado as lembranças que as músicas do quarteto tão famoso quanto Jesus Cristo tinham deixado na esteira da música mundial. Foi o cara, e também soube dizer para os gaúchos que essa imbecilidade de “exclusividade e punhetice bairrista” não funcionam bem em uma cidade capaz de recebê-lo forma tão calorosa.

Não foram só gritos, e nem foram só músicas. Foi a multidão, a catárse coletiva, a admiração de 50.000 pessoas em torno da obra de uma vida inteira. Pessoalmente, foram litros e litros de lágrimas, mesmo depois de uma quase-desidratação, um rio de memórias, lembranças e contos da carrochinha que irei contar para os dois filhos da minha irmã e meu aguardado primo. Se um dia um progenitor surgir no meio da história, com certeza serei o velho chato contando dos dias de glória em que fiquei 7h no Sol esperando um ex-qualquer banda tocar por mais de 3h e comover um estádio inteiro.

É amigos, mais uma vez repito, COMO É BOM VIVER, COMO É BOM ESTAR VIVO!!!


A day in the life

Paul Maccartney realmente vem a Porto Alegre:

Um dia na vida de qualquer ex-garoto que viveu na década de 90, com um pai apaixonado pela de 60, mudaria com esta notícia. Impossível esquecer, deixar passar, e me sinto grato por poder compartilhar um momento tão particular como este com muitas outras pessoas.

Woke up, fell out of bed,
Dragged a comb across my head
Found my way downstairs and drank a cup,
And looking up I noticed I was late.

Porque será que estamos sempre atrasados?
O problema é beeeeeeeem maior: porque será que nunca nos contentamos com o tempo do mundo?
Vivemos cada segundo e instante como se fosse insignificante.
Esquecemos, isomorficamente, cada momento nem tão importante.
Tenho sentido constanemente atrasado, em todos os sentidos.
Não sei qual o útlimo hit do Kings of Leon.
Não sei qual a melhor rua a tomar para não entrar no túnel da conceição.
Não sei o que fazer, em monentos de rara conversação
nem o que falar, nas salas e ambientes de rara afetação
Nestes últimos dias pensei muito sobre a eleição,
mas principalmente no vício da solidão.
Porque será que este é um vício tão forte?
As tarefas vão ficando cada vez mais inacabadas,
as relações muito mais fragilizadas
e minha insignificância cada vez mais exposta.
É só ao andar sozinho
que entendemos a beleza (poética, quase mórbida) de ser sempre sozinhos…

É preciso aprender a ouvir só…

Quando se ouve, também se escuta.

– Escuta aqui ó, é assim que a tristeza é música, e é assim que a música é vida!

Foi exatamente isso que escutei mais uma vez ao ouvir novamente o último disco do Otto. Confesso, nunca fui muito fã ou conhecedor do Mundo Livre S.A., e muito menos da carreira solo dele, mas conhecer o disco “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” foi um privilégio.

Obviamente, a lembrança da primeira vez que dói, não doeu. Em toda complexidade que as redes sociais do cotidiano nos subvertem, fui com uma excelente companhia para ver o tal show na Feira Brasil Rural Contemporâneo e fiquei espantado com a capacidade e presença de palco, com a qualidade da banda e a entrega do público para com um disco recém lançado. A tecnologia ultra moderna me propiciou baixar (não façam isso crianças – peguem o mp3 dos seus coleguinhas) o disco e desde então não canso de elogiá-lo, mostrá-lo aos amigos e convencê-los de que vale a pena cada minuto dos quase 60 que tem no álbum. O disco, mais que tudo, é muito, mas muito honesto. Se há algo que é preciso prezar nas exegeses da música e da arte, é a honestidade, como diz um amigo antigo, agora em BA’s. Do amigo também lembro a citação do Síndico sobre o sobrinho que recém começava a carreira artística: “Ele é bom, mas precisa sofrer um pouquinho mais.” E acho, sinceramente, que é exatemente isso que deu a Otto a capacidade de fazer este fabuloso disco.

A primeira música é “Crua”, e é crua em toda sinceridade da poesia, a dureza e leveza de um pé na bunda que realmente seria difícil para qualquer brasileiro ou brasileira em sã consciência (um fora da Alessandra Negrini). Além da capa (sim, alguns mp3 vêm com capa, amiguinhos), e do título, a primeira música já mostra do que o disco foi feito, e pra que veio: pra gostar, desgostar, esquecer e lembrar; pra chorar, pra rir, dançar e curtir a ressaca. Toda essa contradição maravilhosa do cotidiano e das relações amorosas são primordialmente e magistralmente equilibradas no peso e/ou na leveza, há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua, a pele é crua. A vida é crua meus amigos, a vida é dura, mas é leve, é linda e macia como a pele da Alessandra. (suspiros)

O álbum todo, de uma certa forma, mostra como é possível, nesse entremeio sem fim e burlesco, nesse mundinho medíocre e cansativo da “nova Mpb” como muitos arrotam pra tocar na rádio, mesclar e equilibrar esssa tantas contradições e “tradições” estilísticas de um Brasil pouco conhecido pelas bandas do Sul. (para referências, olhar os links do blog!!!)

“Janaína” é uma ode a uma diva (poderia ser deusa, orixá, seja lá o que for) morena, dona de mares e corações, e às ruas da antiga cidade do pelô. Uma mistura interessantíssima de acarajé e suor com jambú, tucupi e Sol na testa. A música tem uma estética muito semelhante a “Saudade”, e não é por nada. A diferença é que não coincidentemente “Saudade” está quase no final do álbum, e no final da tristeza. A beleza vem da voz de Julieta Venegas, cantando como um suspiro de um Domingo de manhã bem dormido, “Podría perderme en esta felicidad”…

Cabe ainda, sem chegar ao final, citar a participação de Céu (porque nem tudo é perfeito) e agradecer aos deuses e demônios da música pela inspirada contribuição de Lirinha. Em um ritmo totalmente diferente do palco e do nariz do moço, “Meu Mundo Dança” bota o esqueleto triste e murcho pra dançar ao ritmo de loops, batidas eletrônicas e uma guitarra sempre inspirada, do começo ao fim. Mulheres, sombras, Sol, crianças chorando e o desejo! O toque Lírico (Rá! Trocadalho do Carilho) do poema da música versa sobre tempo, sobre rachaduras que vão aumentando na parede arterial, no sorriso de rastro endurecido, e sobre desejo! Pensem caros, há como pensar a vida (desejo de estar vivendo, aos pouqinhos) sem pensar no tempo? Genial!!!

Não é a toa que “6 Minutos” vem logo depois. Me lembro de dançar frenéticamente na pista do Dam vazia quando o Dj botou essa música, e lembro do primeiro show que vi sempre que escuto. Que tempo é esse(?)!!! Bachelardiano, do instante, do vivido, da varanda, de uma casa pequena e do cotidiano. Não tenho muito o que dizer a não ser reforçar aquilo que acredito há muito: Instantes acabam a eternidade… Sempre nascem flores, mesmo no canto do quarto escuro, e nasce da tristeza também a fúria faraônica da música. Riffs pesados, uma voz  serena e ao mesmo tempo raivosa, levadas agressivas e absurdamente dançantes.

Além disso, e agora sim preciso acabar para não cansá-los, Otto não esquece da família, do último refúgio da morada, e do fim. Lindo ver ele falar da mesa de jantar onde falta algo que dura muito mais que qualquer tristeza (temo dizer que esse post só foi impulsionado por uma perda semelhante que tive há pouco). A filha (ou as filhas), o bendito fruto da união do casal, ganham homenagem, e a última música é simples: “Agora sim”. Num tom quase caetanesco, um joguinho que resume de uma forma simples toda estética do álbum: sinceridade.

O leite, o sentimento, a bruta, esfera, o fim, o jeito, o medo, o beijo, o vero, o ero, o raro
O falo, o dado
O olho tosco, o rosto, sopro, gosto ruim
O dado, o olho tosco, o rosto, solto ruim…

Leitores, amigos, inimigos e simpatizantes de todas as causas, escutem esse disco, por favor!!!

Link para um blog interessante que da pra conhecer melhor o disco: http://umquetenha.org/uqt/

Até