Pagode é samba, sambe e pagode, pagode é!

Sábado era sempre um dia muito esperado por mim quando eu tinha meus tenros 10 anos. Além de ser o primeiro dia do final de semana, era quando eu saia com meu pai para fazer compras e bisbilhotar as lojas de disco do centro da cidade. Desde que meus pais compraram o toca-discos 3×1 da CCE, meu pai tentava adquirir todos os discos populares que ele sempre teve vontade – mas nunca dinheiro – para comprar e ouvir em casa.

O condomínio residencial Vale Verde foi onde passei parte dessa infância entre chutes e brigas em campos de futebol precários, brincadeiras na rua, e churrascos aos Domingos. Mas era no Sábado que eu e o “coroa” pegávamos um dos muitos ônibus disponíveis que nos deixavam no centro. Podia ser o Passo Dorneles, o Morro Santana, o Manoel Elias ou até mesmo o Jardim Ypu. O que importava era chegar até o centro.

Lembro e ainda tenho muitos destes vinis não muito raros e pouco desejados em lojas de hoje em dia. O melhor de Eliana de Lima, com a clássica “Undererê”, o grande “Jeito de Felicidade” do Grupo Raça, com a famosa e pouco lembrada “Tô Legal”, aqueles outros tantos de pequenas bandas tocando pout-pourris de pagodes de sucesso, (para não ter que pagar todos os direitos autorais), até o mais refinando – e nem por isso tão bem aceito – Benito di Paula. Porém, o que mais me marcou naquela época, e que hoje é motivo de desgraça por tê-lo perdido, é o primeiro disco do grande Grupo Molejo. Não que seja um disco raro, bem pelo contrário, é bem fácil de achar em lojas de discos usados, mas é a relação sentimental que eu tinha com aquele LP.

Eu lembro até hoje da reação do seu Luiz Carlos ao ouvi-los pela primeira vez em um programa de televisão sexta à noite e, com largo sorriso no rosto, dizer: “Meu Deus, isso é samba de primeira, os guris são bons, amanhã vamos comprar esse disco”. E foi assim, em um dos muitos extracotidianos e repetitivos Sábados, que lá fomos atrás de um pouco de caráter, boa música e preços baratos para ouvir discos durante o Domingo todo.

Só pra completar, resta ainda dizer que eram nos Sábados à noite que aconteciam os embates mais memoráveis da quadra de cimento rachada do Pombal, e posteriormente as fatídicas e mal-sucedidas reuniões dançantes.

Então, quando eu quero matar a saudade, é só botar a caçamba, ou mulher brasileira pra tocar, que o ambiente se enche de alegria e boas lembranças…

 

http://youtu.be/t-bdMrkJCpU


Quando eu vi…

Já estavam todos a minha volta. Ou talvez, eu estava no meio de todos os umbigos. Eu, que tinha prometido a mim mesmo jamais voltar a ceder meu corpo e diminuir meus prazeres para a inconsistência da dita coerência. Estão todos, ao meu redor, exigindo a tal da coerência e negando as suas próprias contradições para não aceitar as minhas.

Enquanto uns querem carro, casa própria, segurança, máquinas de pão e empreiteiras no Japão, eu só quero mais. Eu quero mais é não querer ter tudo isso. Porque eu sei que são eles, que querem tudo o que já têm, e não querem aquilo que acham que têm, que chamam os outros de ignorantes. São eles, dos dois lados, que têm como esporte e hobby principal esquadrinhar, julgar, diminuir e atacar todos de todos os lados. Se para um sou um reacionário, um pau-mandado e obediente, para o chefe sou um idiota e um revolucionário sem causa. Sou um nada, um vazio, porque eles acham que só suas ideias e suas “éticas” são capazes de preencher um corpo.

Pois vos digo, hoje, a todos os seus umbigos, que eu sou capaz de julgar meus atos, de assumir as responsabilidades, e sim, me sinto no direito de ser, se assim vos parece, incoerente. Me chamem de burro, me ridicularizem, me racionalizem. Eu não ligo, e também não preciso de “vossa felicidade”.

Porque eu sei que no fim, o cu fodido e escorraçado será o meu. E digo-vos, também não me importo com isso.

Há dias acordei, e quando eu vi…


Sugestão amiga…

Pois olhe, meu amigo e companheiro
já amanheceu há tempos
Já teve vento, tempestade
granizo, bebida e vadiagem

Já passou um bando de republicanos
alguns Monarcas e democratas
Gente burra, gente chata, redonda, indecente
só pra provar que a razão é sempre incoerente

Mas parceiro, não te assuste
É só um sopro, uns socos e outros pontapés
Uma brisa sorrateira com cheiro de jasmin
trazida por vampiros, sanguessugas e afins
para congestionar nosso concreto jardim

E se talvez não acontecer bem assim
perdoa e esquece tudo para voltar amanha
Teremos outros milhões perguntando-se
porque, ainda, contamos histórias sem fim

Quando fores embora
cuide para não ser seguido
re-classificado e remarcado
chamado de vândalo e oportunista

Porque no fim, talvez
A gente consiga se dar conta
de que nada adianta fazer
se ainda somos tão egoístas…


E agora, quem consegue ser, parecer ou fingir que se preocupa em parecer verdadeiro?

Quando adentramos nas cortinas vermelhas da sala 309 da Usina do Gasômetro, já é possível imaginar a tensão que virá nos próximos 75 minutos que preenchem o espetáculo “CNPJ: Uma Comédia Totalmente Ficcional”. Desde o começo, estamos em um espaço cênico que nos intima a lutar, a disputar melhores ângulos e tentar imaginar o que está se passando naquele cantinho do corner que não conseguimos ver. Assim como em uma empresa que imita a vida, que imita a arte, que imita os melhores artistas, que imita a vida, que imita, em todas suas relações de poder, uma empresa, olhamos com desconfiança toda bajulação que recebemos do elenco. O diretor de atores Denis Gosch (que A R R A S O U ) os chama atenção. Como o supervisor de uma empresa chama atenção de um funcionário improdutivo. Como o professor repreende um aluno que não pensa linearmente. Como o corpo diz pro artista que aquilo, naquele momento, é impossível. E como a vida pública diz, a todos os corpos que tentam fazer aquilo possível, que não é de bom tom fazê-lo.

A interação, prometida com receio no começo do espetáculo, é “fichinha” perto da intimidade e cumplicidade que os quatro sensacionais atores (Daniel, Guadalupe, Juliana e Ric) criam com o público. Mesmo falando de um assunto tão dramático e tão difícil como as relações pessoais tomadas por disputas, ganâncias e desconfianças, conseguimos rir (e muito) de todos os fantasmas que as brigas e situações semelhantes aconteceram em nossas vidas, exorcizando-as, mesmo que momentaneamente, para a próxima risada.

É difícil, para a maioria dos nossos conterrâneos, ver que todo nosso orgulho bairrista (imbecil, diga-se de passagem), que canta as virtudes de um povo que escravizou e traiu suas origens, se esvazia ao pensar que somos como os caranguejos, que não deixam o próximo, o semelhante (amém) sair dessa prisão e dessa teia terrível das relações interpessoais disfarçadas de “objetividade profissional”.

É fato, e é de uma dura e inevitável certeza: lidar com o outro, ou seja, com nossos espelhos e reflexos dos espelhos dos outros, é sempre uma tarefa complexa demais para não resultar, por vezes, em rupturas. Num momento histórico em que todos nos vemos obrigados a pensar que temos um objetivo comum, um bem mundial, e vivemos em um mundo politicamente correto de coxinhas que evitam o conflito, nos deparamos na arena da sala com nossas antipatias e nossas simpatias a tudo aquilo que não é tão correto e tão certo.

Loic Wacquant, famoso antropólogo, diz que é impossível pensar o boxe e seu enraizamento sem examinar a trama simbólica que tecem as redes ao redor da academia de treinamento. No CNPJ,  é também pouco pensável para nós imaginar que o estereótipo, assim como a ingênua ideia de que pessoas só se corroem em empresas privadas também ocorre com nós mesmos, e que estes mesmos atores não são a todo o momento só personagens, mas também corpos, como diz Wacquant, “impregnados progressivamente por conjuntos de mecanismos e esquemas mentais apagando a distinção total entre ação/representação”.

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Porque sim, quando vemos o Sarcáustico em cena, vemos pessoas (corpos, subjetividades, corporeidades, etc, etc e blábláblá e tal) que criam dramaturgias, que riem da sua própria “infâmia” através de um corpo que pouco liga para esta distinção e que tenta, a todo o momento, fugir das coerções que a tal da “racionalidade coxinhissimamente correta” tenta nos impregnar. Assistir uma peça com os “sarcáusticos” é dar-se conta, por um mísero momento, que as coisas não são tão iguais assim, e que a dedicação ao que se gosta é sem dúvida o melhor paliativo para as inevitáveis lacunas emocionais que as rupturas nos provocam. 

Se você for até a sala 309 assisti-los, vá de alma e olhos abertos. Você estará diante de um espelho que choca, e que provoca-nos a sermos algo diferente. Não o diferente de um tempo, mas o diferente de sempre, o que não se acomoda, e que não deixa de rir dos seus lutos só porque isso é “politicamente incorreto”. 

Porque somos, inevitavelmente, humanos PORRA!

* foto de Lu Trevisan


Do baixo clero, a quem interessar possa…

Que vidas ignorantes são as suas.

Não se dão conta que, ao contrário da maioria, apenas tiveram a sorte calada de lerem bons livros.

O que os sustenta, como sempre, são suas próprias certezas. Críticas e mais críticas, egos reclamando de egos, sem nunca perceber a importância do não-conhecido. O erro eterno de colocar a certeza a frente de qualquer coisa, inclusive dos próprios erros.

Admitam, ora pois, que são vocês, com toda sua hipocrisia concreta e certa, que detém o bastião e a pica sagrada do conhecimeno mítico, racional, divino, inconsciente e tedioso, tudo ao mesmo tempo.

Poupem, evitem esse esforço gigantesco dos seus terapeutas, da desacreditada e criticada psicanálise, e detenham-se apenas em seus ânus. Sejam livre para privar o mundo de suas ignorâncias.

Tentem, com todas as forças possíveis, calar quem não está certo, emudecer quem não relativiza seu relativismo, e mantenham-se, assim, cometendo os mesmos erros que os cegos e reles mortais cometem – mesmo achando que este erro é o acerto final de tudo, o juízo último da chatice e do tédio que é aturar vocês todos reunidos.

Não se esqueçam, em momento algum, de reproduzir, dia após dia, os passos e o rastro de luz deixado por seus brilhantes e “antiderrapantes” conversores.

A última coisa, e mais importante. Sempre tentem mostrar, mascarar e desviar – pela escrita e seus inúmeros subterfúgios – a evidência inegável de que diante de seus pares, todos os que nunca conseguem ler suas linhas são apenas objetos de “questionamento”, mitos de trajetórias e biografias baratas, seguindo inevitavelmente a caminho do abismo que impulsiona todos para a universal mortalidade, e para a boçal reprodutividade.

Com todo o respeito que poucos merecem, ergam longe de mim suas fálicas e falsas bandeiras nesta busca incessante de sempre ter mais e mais idiotas passíveis de conversão.

Viver? Pra que, se isso nunca é preciso?


O estrangeiro

O estrangeiro por sua natureza não é proprietário do solo, e o solo não é somente compreendido no sentido físico, neste caso, mas, também, como uma substância delongada da vida, que não se fixa em um espaço específico, ou em um lugar ideal do perímetro social. Nas relações mais íntimas de pessoa a pessoa, também, todas as atrações e significâncias possíveis no cotidiano das experiências simbolizadas podem revelar o estrangeiro. O estrangeiro é sentido, então, precisamente, como um estranho, isto é, como um outro não “proprietário do solo” (Simmel, em O estrangeiro)

Estranho essa coisa de sentir. Nada é tão certo, e nada é tão concreto. Problemas para um virginiano, ou para alguém que teima em querer ter explicação para tudo. Há três meses aceitei e lutei por um projeto que parecia ser interessante e que me faria feliz. Fez, foi interessante, e a prova disso é que agora me vejo de novo, no meio de sentimentos tão confusos e díspares quanto qualquer pessoa que vive as coisas intensamente.

De um lado, começo a sentir a “ressaca” da volta, aquela saudade de algo que se viveu intensamente todos os dias. Das buzinas, das muitas buzinas. Das empanadas, do vinho barato, e da tentativa constante de tentar entender e por vezes até falar uma língua diferente. Sinto como se a vida, o cosmos, me tivesse brindado com uma convivência tão rica em um país que ao mesmo tempo parece tão próximo e tão distante. Há muitas fronteiras. Geográficas, físicas, sentimentais, e principalmente culturais, mas nenhuma delas me impediu de curtir cada passo desviado de fezes de cachorro, cada centímetro disputado no “subte”, cada viagem longa de ônibus, e todas as comidas, bebidas e bares que, mesmo se repetindo, eram sempre surpreendentes.

Fiquei longe de muitas coisas que gosto demais, e isso me provoca esse outro lado que me faz ficar feliz e impaciente para a volta. Não, não é do calor que estou falando. Eu to falando é das pessoas. Mesmo que duas das mais importantes tenham vindo me visitar, sinto que cada vez mais preciso de pessoas boas ao meu lado. Sinto que não há nada mais valioso que sentimentos sinceros, e que nada substitui uma amizade honesta. Quero voltar, quero dormir do lado de quem amo, e quero sentir os amigos próximos.

Ao mesmo tempo, e por isso que é tudo tão rico, senti nessa distância, pessoas se aproximarem ainda mais. Fui a lugares indicados por pessoas que me fizeram olhar para um outro mundo de várias formas diferentes. Senti que não sinto tanta falta de uma cidade ou outra, mas daqueles que estão ao meu lado. De uma forma muito estranha, me dei conta de que minhas escolhas sobre meu futuro não são tão certas, e que, de uma hora pra outra, tudo pode mudar e me fazer ver as coisas de uma forma bem mais sensível do que eu as via antes.

E assim, o tempo e suas ardiduras insistem em me ensinar coisas, me perceber ignorante, curioso e cada vez mais aberto às suas lacunas, rupturas e incertezas. Sentir é, inevitavelmente, estar imerso intensamente em contradições e sensações alternantes.


Porto Alegre, a cidade da Copa, e da família Assis Moreira…

Eu realmente não gosto, não costumo, e nem tenho vontade de escrever sobre futebol. Sinceramente, acho que essa falta de vontade que afeta meu lado “torcedor” é apenas um reflexo de algo a que todos estamos sujeitos: de que uma hora ou outra, a pessoa acaba cansando de agüentar tanta incoerência e falta de compromisso para com o próximo, que acaba tendo que escolher onde vai podar sua vida social, para viver o mínimo possível ao lado de metafísicas desta magnitude. Não falo de ética, porque isso estaria maximizando e dando um estatuto grandioso demais (e não merecedor) às discussões em mesas-de-bar, mesas redondas, quadradas, avaliações pseudo-táticas e comentários recheados de esdrúxulas argumentações pouco retóricas e quase nada estruturadas que escuto todos os dias, mesmo querendo me afastar disso. Eu to falando é simplesmente de algo tão simples, e nem por isso menos complexo que isso: que cidade é essa que queremos viver?

O que me comove ao escrever sobre futebol nunca foi, e não é, a competição ou o “gremismo” versus “coloradismos”. Acho tudo isso de uma falta de razoabilidade incrível, uma perfeita perda de tempo misturada à efemeridade da vida complexa, que não dá ao esporte, seja ele qual for, o brilho que ele deveria ter. São estes delírios de torcedores flamejantes, cobertos com o mais puro manto da excitação viril (não é machismo, só uma leve referência ao mito de elevação e aos símbolos fálicos, que em nada tem a ver somente com o maniqueísmo de gênero entre homens e mulheres, vide Gilbert Durand, e As estruturas antropológicas do Imaginário), que fazem pessoas brigarem, se esfaquearem, e se preocuparem tanto com a vida de pessoas que talvez nem mereçam a idolatria que são donas. É essa mesma passionalidade que às vezes coloca a disputa sobre a construção de um estádio em um patamar sem explicações, sem se dar conta de que a cidade sofre cada vez mais com especulação imobiliária e todas suas conseqüências. Apaga a necessidade que temos de construir uma cidade mais sustentável, igualitária e justa. Quer saber mais? Tenta descobrir o que está acontecendo com moradores do morro Santa Teresa, com famílias da vila Dique, e tantas outras que vão sentir o impacto dessa copa durar por muito mais tempo do que um sinal fechado ou um dia de calor escaldante. Se o leitor quer realmente ouvir de alguém que entende do assunto, procure saber do trabalho de Anelise Gutterres, doutoranda do PPGAS, ela sim tem competência pra falar disso melhor do que eu .

O esporte, que é aquilo que acho que sou minimamente capaz de falar, na sua eterna in-civilidade abalizada pela etérea vontade de ganhar, é o que, incoerentemente, me comove. Eu disse, e repito, há incoerências inevitáveis, saudáveis ou não, e isso é fato, imperativo, é a força motriz do cotidiano.  Independentemente do estilo, da prática ou modalidade, não conheço ainda nenhum esporte que não coloque em jogo os problemas ainda insolúveis entre individuo e sociedade, natureza e cultura, regras e estratégias contra táticas e astúcias, história e sociedade, práxis e cultura. É lindo, fantástico, e gratificante saber que o esporte elimina todas estas certezas e todos esses antagonismos que parecem ser de uma forma ou outra fundamentais para existência humana. Pode ser um instrumento de mobilização social incrível, tanto para coisas “boas” quanto para “ruins”. Pode tirar pessoas de situações deploráveis, pode mobilizar uma comunidade inteira para um jogo de futebol de várzea, mas pode também submeter pessoas a uma modificação brutal nos seus corpos buscando resultados, e pode distanciar, ampliar, e contribuir para o aumento da desigualdade social. Acima de tudo, o esporte é objeto extremamente interessante para explicar, entender ou compreender a ação humana.

Exemplos não faltam. Basta ler as notas de Wacquant sobre seu aprendizado enquanto boxeador, as especulações de Sahlins sobre a inacreditável “World Series” ganha pelos Mets, DaMatta falando sobre o futebol e a identidade nacional, Leite Lopes narrando o surgimento dos grandes clubes a partir de sociabilidades em fábricas e ao mesmo tempo expondo conflitos de classe e raça no Brasil. Não é de hoje que o esporte fala sobre a existência do ser no mundo, e nem há data para saturação, seja nos sítios do mais genioso blogueiro ou nas páginas encarecidas de editoras, escritas pelo mais genial pensador.

E foi por isso que comecei a escrever esta pequena nota. Não para justificar minha incoerência e dizer que gostaria de estar no estádio no próximo Domingo, ou para dizer que há poucas coisas que gosto tanto quanto jogar uma “pelada” (disso não preciso), mas sim porque me senti imensamente provocado pela grande movimentação que se faz em torno de uma figura paradigmática para a vida de todo “futeboleiro” de Porto Alegre: Ronaldinho Gaúcho. Isso, devido a uma sinapse de ligações inexplicáveis (como quase todas que acontecem na minha cabeça) me fez ficar deveras impressionado e assustado com a falta de mobilidade e a cegueira que os “assuntos da Copa” estão causando ao país.

Vejam como é fantástico e amedrontador ver a mobilização das pessoas com relação ao caso do “pilantra dentuço”. Vejam, também, que desde que ele saiu do Grêmio, os mesmos dirigentes cometem os mesmos erros, dão as mesmas desculpas, e o clube continua, não surpreendentemente, na mesma. Veja também, você, torcedor que quer queimar o complexo habitacional Assis Moreira, e que compartilha a imagem de uma “piscina copeira” na internet, continua, provavelmente, tendo os mesmo problemas com seus amigos, com seus amantes, com seus chefes, com sua saúde, independentemente do que tenha acontecido nas salas de reunião entre o representante e irmão do jogador e os dirigentes do Grêmio.

Agora, veja também, como você talvez nem tenha se dado conta de que o estatuto do torcedor quer ser abolido pela FIFA, em prol do lucro gerado por esse futebol espetáculo que ajudamos a construir, e que, de maneira estúpida, esse mesmo estatuto está sendo usado para banir a entrada de faixas com os dizeres “pilantra” no estádio Domingo. Ainda mais assustador, é ver que bilhões e bilhões de reais estão sendo destinados e direcionados, sem garantia de retorno, a obras muitas vezes fantasmas em todas grandes cidades brasileiras.

Parece chato, retrógrado, e pouco sensível, mas não há maneira de aceitar tudo que vejo, de longe, acontecer em Porto Alegre. Algum dia ainda espero alguém me dar a boa notícia de que a previsão para média de temperatura em janeiro e fevereiro é de 23º….


Confissões….

Devo confessar, aos amantes e admiradores do amor romântico, barroco ou renascentista, que nunca fui muito bom com sentimentos. A sinceridade me atrapalhava, e a vontade pueril e jovem de querer sempre ter conforto me faziam acreditar que nunca poderia existir algo tão forte, sincero e espontâneo como os lindos e longos beijos salvadores de filmes comuns. Sempre torcia muito mais pro James Dean que pro Fred Aster, e preferia, desde pequeno, as canções dos Stones do que Beatles. Como eu disse, frivolidades de tempos alhures, mas bem aproveitados. Experiências estéticas e sentimentais ignorantes e, ao mesmo tempo, medianamente “intelectualizadas”.

A vida vivida, talvez única contradição aceita pela metafísica dos comuns, sempre dizia que nada era mais importante do que nunca crer em nada que não fosse devidamente explicado e sujeitado à condição racional do devaneio lúcido, e por isso mesmo, contraditório. Confuso, não? (E eu com isso?). Temerário, porém não menos prazeroso, era sofrer por algo fútil, e simplesmente fácil de esquecer. Mesmo que fosse com a mesma pessoa, era sempre algo novo, pois havia sempre a possibilidade de um novo sofrimento, e com ele, doses homeopáticas de prazer. Na homeopatia nunca acreditei, e nem imagino-me crente nos próximos duzentos séculos.

O mesmo pode-se dizer da conjunção astral. Não é de bom tom, para um “cientista” das horas comuns, um analista da vida social, acreditar em formas tão pouco humanas de prever o futuro das almas perdidas. Pois imagine você, no meu lugar, tendo que pensar que toda essa racionalidade sentimental, e toda esse controle da fruição não passa de uma complexa teia e um arranjo imanente de um imaginário do devaneio.

A questão não é, meus caríssimos e raros leitores, explicar o tal do belo e do feio, do gosto e do asco, ou do certo e errado. O ponto principal é entender que não há, no universo inteiro que conhecemos pelos astrólogos e astrônomos, algo pleno o suficiente para explicar a vontade, a poética do espaço e da vida vivida em toda sua efemeridade coletiva e complexidade individual. Não há nada que me faça entender, ou me satisfaça o suficientemente, em toda sua retórica e sua performance, o que sinto agora.

O fato é que amo, e não é minha mãe, nem ninguém da minha família. Estes também amo, mas desse sentimento nunca duvidei. Amo, mais que nunca, os defeitos de alguém que é tão humana, e por isso mesmo tão única quanto eu, e amo saber que escolhi, mesmo que em parte sem poder escolher, estar do lado desses defeitos. Gosto desse afrontamento ao julgamento social, e prefiro que continuem julgando, para continuar dando-lhes prova de que realmente não preciso da aprovação de ninguém.

Certamente a intensidade das coisas, dos fatos e das elucidações causa um tanto de medo, mas é tão simples, harmonioso e complexo do jeito que sempre parece que vai ser, que não há nada que me diga que será diferente. Aos que preferem se afastar disso, compreendo. É plausível a manutenção de certos confortos, e a hesitação na hora de exprimir os confrontos. O certo é que deixar de se expressar, em certos momentos, é quase a mesma coisa que deixar de sentir. Em alguns casos, mesmo que não pareça, nossas vontades não estão tão distantes do que vivemos, nossa razão não está tão certa, e nossos devaneios não estão tão loucos.

Como ouvi de um sábio mestre, é melhor viver assim, do que morrer aos poucos, sem saber que se morre um pouco mais a cada dia. Deixar de fluir, é deixar de sentir. É privar-se do mais lindo que a vida proporciona: o grande, suntuoso e surpreendente, o imprevisível e incontrolável sentir estar vivo. Eu vivo, e por isso mesmo, sinto hoje, que amo. O bom mesmo é saber que amanhã pode ser diferente, mais intenso, e por isso mesmo, mais espontâneo e surpreendente…


Ali, no canto…

É aquele mísero desespero

Que fica ali

no canto mais pérfido da saudade

Entre a falta e a insegurança

que não me deixa mais dormir

 

Porque ferve

Verve

E esconde

sobre a alcunha de te precisar pra sempre

que nunca o estar ao teu lado

será o suficiente

 

É o problema insolúvel da perfeição

da harmonia mais silenciosa

e da conjunção astral mais sinuosa

que me transa e me sufoca

me declara e me despede

me mira e desfoca….


No fim das contas….

A primeira coisa a se fazer quando você se dá conta de que está com insônia, é não tentar, de maneira alguma, dormir. Isso com certeza só vai piorar a confusão mental e a tensão física em que você se encontra, trazendo à tona mais um problema inconsciente de difícil (quase impossível para um leigo) solução.

Não, a grande questão não é encontrar os problemas. Isso, meu caro, é tarefa fácil nesse mundo poluído de tanta informação; difícil mesmo é encontrar a tal da solução, a áurea medida. Sim, porque tranquilizar-se momentaneamente, no exato momento em que um “relampeio” de razão lhe mostrou a saída para tudo, não é exatamente resolver os seus problemas.

Insisto que nós, sujeito modernos, ou então jamais-modernos (como diria o já sendo ultrapassado Latour) temos quase a certeza de tudo, vivemos no eterno devir de que sabemos exatamente como compreender nossa ipse e nosso self.

Esquece, meu caro. Tu já estás despedaçado, descortinado, escorraçado e perfeitamente lido e “bem passado” pelo cosmos. Peraê! Não pare a leitura como se esse fosse um termo simplório de cosmos. O que eu falo aqui é muito mais uma “economia de bens simbólicos” do que qualquer outra coisa. Não quer dizer também, em nenhum momento, que as regras dessa troca sejam baseadas unicamente na economia capitalista, isso seria um erro infantil. Eu to falando é de “dom”.

Não, meu dom! Também não é tão simples assim, mas será que você já parou pra pensar em todas as “trocas” que você, sem se dar conta, faz? Já pensou nas obrigações que você impõe aos outros, e a você mesmo, na hora de se comunicar? Certamente, se você já o fez, deve ter tido boas e longas noites de insônia, e já tentou achar uma forma de ser mais sincero consigo mesmo e com seus pares.

A primeira coisa a se fazer, quando você já se deu conta de que não há mais nada a fazer contra sua insônia, é escolher. Cabe a você escolher se quer escrever, fumar, tomar chimarrão, escutar música, ou simplesmente ficar sem fazer nada, esperando o dia acontecer, enquanto calcula quantas horas do seu “produtivo” despertar você “perdeu”.

Só não leia, não chore, não escreva cartas de amor e nem faça muito barulho. Respeite aqueles que pelo menos agora, conseguem se sentir bem em seus leitos e travesseiros.

Buenos Aires, 28 de setembro de 2011.