Arquivo do mês: outubro 2011

Porto Alegre, a cidade da Copa, e da família Assis Moreira…

Eu realmente não gosto, não costumo, e nem tenho vontade de escrever sobre futebol. Sinceramente, acho que essa falta de vontade que afeta meu lado “torcedor” é apenas um reflexo de algo a que todos estamos sujeitos: de que uma hora ou outra, a pessoa acaba cansando de agüentar tanta incoerência e falta de compromisso para com o próximo, que acaba tendo que escolher onde vai podar sua vida social, para viver o mínimo possível ao lado de metafísicas desta magnitude. Não falo de ética, porque isso estaria maximizando e dando um estatuto grandioso demais (e não merecedor) às discussões em mesas-de-bar, mesas redondas, quadradas, avaliações pseudo-táticas e comentários recheados de esdrúxulas argumentações pouco retóricas e quase nada estruturadas que escuto todos os dias, mesmo querendo me afastar disso. Eu to falando é simplesmente de algo tão simples, e nem por isso menos complexo que isso: que cidade é essa que queremos viver?

O que me comove ao escrever sobre futebol nunca foi, e não é, a competição ou o “gremismo” versus “coloradismos”. Acho tudo isso de uma falta de razoabilidade incrível, uma perfeita perda de tempo misturada à efemeridade da vida complexa, que não dá ao esporte, seja ele qual for, o brilho que ele deveria ter. São estes delírios de torcedores flamejantes, cobertos com o mais puro manto da excitação viril (não é machismo, só uma leve referência ao mito de elevação e aos símbolos fálicos, que em nada tem a ver somente com o maniqueísmo de gênero entre homens e mulheres, vide Gilbert Durand, e As estruturas antropológicas do Imaginário), que fazem pessoas brigarem, se esfaquearem, e se preocuparem tanto com a vida de pessoas que talvez nem mereçam a idolatria que são donas. É essa mesma passionalidade que às vezes coloca a disputa sobre a construção de um estádio em um patamar sem explicações, sem se dar conta de que a cidade sofre cada vez mais com especulação imobiliária e todas suas conseqüências. Apaga a necessidade que temos de construir uma cidade mais sustentável, igualitária e justa. Quer saber mais? Tenta descobrir o que está acontecendo com moradores do morro Santa Teresa, com famílias da vila Dique, e tantas outras que vão sentir o impacto dessa copa durar por muito mais tempo do que um sinal fechado ou um dia de calor escaldante. Se o leitor quer realmente ouvir de alguém que entende do assunto, procure saber do trabalho de Anelise Gutterres, doutoranda do PPGAS, ela sim tem competência pra falar disso melhor do que eu .

O esporte, que é aquilo que acho que sou minimamente capaz de falar, na sua eterna in-civilidade abalizada pela etérea vontade de ganhar, é o que, incoerentemente, me comove. Eu disse, e repito, há incoerências inevitáveis, saudáveis ou não, e isso é fato, imperativo, é a força motriz do cotidiano.  Independentemente do estilo, da prática ou modalidade, não conheço ainda nenhum esporte que não coloque em jogo os problemas ainda insolúveis entre individuo e sociedade, natureza e cultura, regras e estratégias contra táticas e astúcias, história e sociedade, práxis e cultura. É lindo, fantástico, e gratificante saber que o esporte elimina todas estas certezas e todos esses antagonismos que parecem ser de uma forma ou outra fundamentais para existência humana. Pode ser um instrumento de mobilização social incrível, tanto para coisas “boas” quanto para “ruins”. Pode tirar pessoas de situações deploráveis, pode mobilizar uma comunidade inteira para um jogo de futebol de várzea, mas pode também submeter pessoas a uma modificação brutal nos seus corpos buscando resultados, e pode distanciar, ampliar, e contribuir para o aumento da desigualdade social. Acima de tudo, o esporte é objeto extremamente interessante para explicar, entender ou compreender a ação humana.

Exemplos não faltam. Basta ler as notas de Wacquant sobre seu aprendizado enquanto boxeador, as especulações de Sahlins sobre a inacreditável “World Series” ganha pelos Mets, DaMatta falando sobre o futebol e a identidade nacional, Leite Lopes narrando o surgimento dos grandes clubes a partir de sociabilidades em fábricas e ao mesmo tempo expondo conflitos de classe e raça no Brasil. Não é de hoje que o esporte fala sobre a existência do ser no mundo, e nem há data para saturação, seja nos sítios do mais genioso blogueiro ou nas páginas encarecidas de editoras, escritas pelo mais genial pensador.

E foi por isso que comecei a escrever esta pequena nota. Não para justificar minha incoerência e dizer que gostaria de estar no estádio no próximo Domingo, ou para dizer que há poucas coisas que gosto tanto quanto jogar uma “pelada” (disso não preciso), mas sim porque me senti imensamente provocado pela grande movimentação que se faz em torno de uma figura paradigmática para a vida de todo “futeboleiro” de Porto Alegre: Ronaldinho Gaúcho. Isso, devido a uma sinapse de ligações inexplicáveis (como quase todas que acontecem na minha cabeça) me fez ficar deveras impressionado e assustado com a falta de mobilidade e a cegueira que os “assuntos da Copa” estão causando ao país.

Vejam como é fantástico e amedrontador ver a mobilização das pessoas com relação ao caso do “pilantra dentuço”. Vejam, também, que desde que ele saiu do Grêmio, os mesmos dirigentes cometem os mesmos erros, dão as mesmas desculpas, e o clube continua, não surpreendentemente, na mesma. Veja também, você, torcedor que quer queimar o complexo habitacional Assis Moreira, e que compartilha a imagem de uma “piscina copeira” na internet, continua, provavelmente, tendo os mesmo problemas com seus amigos, com seus amantes, com seus chefes, com sua saúde, independentemente do que tenha acontecido nas salas de reunião entre o representante e irmão do jogador e os dirigentes do Grêmio.

Agora, veja também, como você talvez nem tenha se dado conta de que o estatuto do torcedor quer ser abolido pela FIFA, em prol do lucro gerado por esse futebol espetáculo que ajudamos a construir, e que, de maneira estúpida, esse mesmo estatuto está sendo usado para banir a entrada de faixas com os dizeres “pilantra” no estádio Domingo. Ainda mais assustador, é ver que bilhões e bilhões de reais estão sendo destinados e direcionados, sem garantia de retorno, a obras muitas vezes fantasmas em todas grandes cidades brasileiras.

Parece chato, retrógrado, e pouco sensível, mas não há maneira de aceitar tudo que vejo, de longe, acontecer em Porto Alegre. Algum dia ainda espero alguém me dar a boa notícia de que a previsão para média de temperatura em janeiro e fevereiro é de 23º….


Confissões….

Devo confessar, aos amantes e admiradores do amor romântico, barroco ou renascentista, que nunca fui muito bom com sentimentos. A sinceridade me atrapalhava, e a vontade pueril e jovem de querer sempre ter conforto me faziam acreditar que nunca poderia existir algo tão forte, sincero e espontâneo como os lindos e longos beijos salvadores de filmes comuns. Sempre torcia muito mais pro James Dean que pro Fred Aster, e preferia, desde pequeno, as canções dos Stones do que Beatles. Como eu disse, frivolidades de tempos alhures, mas bem aproveitados. Experiências estéticas e sentimentais ignorantes e, ao mesmo tempo, medianamente “intelectualizadas”.

A vida vivida, talvez única contradição aceita pela metafísica dos comuns, sempre dizia que nada era mais importante do que nunca crer em nada que não fosse devidamente explicado e sujeitado à condição racional do devaneio lúcido, e por isso mesmo, contraditório. Confuso, não? (E eu com isso?). Temerário, porém não menos prazeroso, era sofrer por algo fútil, e simplesmente fácil de esquecer. Mesmo que fosse com a mesma pessoa, era sempre algo novo, pois havia sempre a possibilidade de um novo sofrimento, e com ele, doses homeopáticas de prazer. Na homeopatia nunca acreditei, e nem imagino-me crente nos próximos duzentos séculos.

O mesmo pode-se dizer da conjunção astral. Não é de bom tom, para um “cientista” das horas comuns, um analista da vida social, acreditar em formas tão pouco humanas de prever o futuro das almas perdidas. Pois imagine você, no meu lugar, tendo que pensar que toda essa racionalidade sentimental, e toda esse controle da fruição não passa de uma complexa teia e um arranjo imanente de um imaginário do devaneio.

A questão não é, meus caríssimos e raros leitores, explicar o tal do belo e do feio, do gosto e do asco, ou do certo e errado. O ponto principal é entender que não há, no universo inteiro que conhecemos pelos astrólogos e astrônomos, algo pleno o suficiente para explicar a vontade, a poética do espaço e da vida vivida em toda sua efemeridade coletiva e complexidade individual. Não há nada que me faça entender, ou me satisfaça o suficientemente, em toda sua retórica e sua performance, o que sinto agora.

O fato é que amo, e não é minha mãe, nem ninguém da minha família. Estes também amo, mas desse sentimento nunca duvidei. Amo, mais que nunca, os defeitos de alguém que é tão humana, e por isso mesmo tão única quanto eu, e amo saber que escolhi, mesmo que em parte sem poder escolher, estar do lado desses defeitos. Gosto desse afrontamento ao julgamento social, e prefiro que continuem julgando, para continuar dando-lhes prova de que realmente não preciso da aprovação de ninguém.

Certamente a intensidade das coisas, dos fatos e das elucidações causa um tanto de medo, mas é tão simples, harmonioso e complexo do jeito que sempre parece que vai ser, que não há nada que me diga que será diferente. Aos que preferem se afastar disso, compreendo. É plausível a manutenção de certos confortos, e a hesitação na hora de exprimir os confrontos. O certo é que deixar de se expressar, em certos momentos, é quase a mesma coisa que deixar de sentir. Em alguns casos, mesmo que não pareça, nossas vontades não estão tão distantes do que vivemos, nossa razão não está tão certa, e nossos devaneios não estão tão loucos.

Como ouvi de um sábio mestre, é melhor viver assim, do que morrer aos poucos, sem saber que se morre um pouco mais a cada dia. Deixar de fluir, é deixar de sentir. É privar-se do mais lindo que a vida proporciona: o grande, suntuoso e surpreendente, o imprevisível e incontrolável sentir estar vivo. Eu vivo, e por isso mesmo, sinto hoje, que amo. O bom mesmo é saber que amanhã pode ser diferente, mais intenso, e por isso mesmo, mais espontâneo e surpreendente…


Ali, no canto…

É aquele mísero desespero

Que fica ali

no canto mais pérfido da saudade

Entre a falta e a insegurança

que não me deixa mais dormir

 

Porque ferve

Verve

E esconde

sobre a alcunha de te precisar pra sempre

que nunca o estar ao teu lado

será o suficiente

 

É o problema insolúvel da perfeição

da harmonia mais silenciosa

e da conjunção astral mais sinuosa

que me transa e me sufoca

me declara e me despede

me mira e desfoca….


No fim das contas….

A primeira coisa a se fazer quando você se dá conta de que está com insônia, é não tentar, de maneira alguma, dormir. Isso com certeza só vai piorar a confusão mental e a tensão física em que você se encontra, trazendo à tona mais um problema inconsciente de difícil (quase impossível para um leigo) solução.

Não, a grande questão não é encontrar os problemas. Isso, meu caro, é tarefa fácil nesse mundo poluído de tanta informação; difícil mesmo é encontrar a tal da solução, a áurea medida. Sim, porque tranquilizar-se momentaneamente, no exato momento em que um “relampeio” de razão lhe mostrou a saída para tudo, não é exatamente resolver os seus problemas.

Insisto que nós, sujeito modernos, ou então jamais-modernos (como diria o já sendo ultrapassado Latour) temos quase a certeza de tudo, vivemos no eterno devir de que sabemos exatamente como compreender nossa ipse e nosso self.

Esquece, meu caro. Tu já estás despedaçado, descortinado, escorraçado e perfeitamente lido e “bem passado” pelo cosmos. Peraê! Não pare a leitura como se esse fosse um termo simplório de cosmos. O que eu falo aqui é muito mais uma “economia de bens simbólicos” do que qualquer outra coisa. Não quer dizer também, em nenhum momento, que as regras dessa troca sejam baseadas unicamente na economia capitalista, isso seria um erro infantil. Eu to falando é de “dom”.

Não, meu dom! Também não é tão simples assim, mas será que você já parou pra pensar em todas as “trocas” que você, sem se dar conta, faz? Já pensou nas obrigações que você impõe aos outros, e a você mesmo, na hora de se comunicar? Certamente, se você já o fez, deve ter tido boas e longas noites de insônia, e já tentou achar uma forma de ser mais sincero consigo mesmo e com seus pares.

A primeira coisa a se fazer, quando você já se deu conta de que não há mais nada a fazer contra sua insônia, é escolher. Cabe a você escolher se quer escrever, fumar, tomar chimarrão, escutar música, ou simplesmente ficar sem fazer nada, esperando o dia acontecer, enquanto calcula quantas horas do seu “produtivo” despertar você “perdeu”.

Só não leia, não chore, não escreva cartas de amor e nem faça muito barulho. Respeite aqueles que pelo menos agora, conseguem se sentir bem em seus leitos e travesseiros.

Buenos Aires, 28 de setembro de 2011.