Arquivo do mês: agosto 2011

Tua cidade e minhas saudade sob os meus pés…

Interajo, tento viver organicamente a tua cidade

Ao mesmo tempo que lido com a saudade

controlo minhas ganas e minha vontade

todos meus ciúmes, meus medos,  minhas angústias e ansiedades

 

Vejo no tango uma diferença até então despercebida

Jogo meus pés, minhas pernas e meus feriados para qualquer outra vida

Tento, em vão, saber quantas horas e micronésimos de segundo ainda faltam

Quantas taças, quantas uvas e qual o melhor vinho

Serviria, mesmo que por pouquíssimo tempo,

para deixar de dançar e ouvir apelos virtuais de carinho

 

Difícil alimentar esperanças se a fome já me consome e me alivia

Se os pedidos mal-humorados tornam-se ritmos de coros infantis

Na escrita me apago, na música viajo e tenho, sob meus pés

a cabeça cheia de planos entre o limbo e a infinitude da saudade

 

 


Passos perdidos em um cabide bagunçado

-Baxinho safado!

-Foi a primeira música que me veio na cabeça, eu juro!

Acho que essa foi a única vez que ele mentiu pra ela. Mentira não; seria forte demais, e sentimentos fortes demais já ocupam lugar nessa dança. Os passos, pelo contrário, são leves, macios e inexplicavelmente orgânicos. São naturais, espontâneos, e de uma harmonia que daria inveja a Netuno.

Não sei dizer se aquele foi o verdadeiro primeiro passo. Talvez tenha sido mesmo. Porque uma dança – ahhh, uma boa dança – não começa só quando as mãos se juntam, as respirações se encontram e os cheiros vampirescos se batem. Tudo começa, dizem os que entendem, quando as janelas se olham, e quando as distâncias parecem muito mais distantes que todas as viagens do homem a Lua. Aos poucos, enquanto todos rodam e rodam sem saber para onde ir, enquanto casais se digladiam com sapatos de pontas finas e gravatas borboletas, os dançantes se olham como se fossem saber que aquilo tudo será apenas o começo de uma eterna valsamambosambaforrozeadocomtango e que, de todas contradições possíveis, eles são a representação da melhor de todas.

Os pés quentes aquecem as extremidades geladas. Gargalhadas abismais engrandecem pequenas camas. Mordidas conseguem até melhorar o gosto do mate, acordar cedo agora parece ser uma tarefa arduamente prazerosa. Nacionalidades e passeios turísticos são colocados todos de cabeça pra baixo, novas profissões são re-inventadas, e todo tipo de declaração é realmente sincero. Bilhetes descarados são escondidos. Livros e roteiros são completamente esquecidos, e tudo que parecia não ter sentido nenhum conjectura ao lado dos astros.

Os passos seguintes continuam na mesma regência astral e suntuosa. Cada vez mais imersos em uma partitura só deles, os dois começam a perder a vergonha e o medo de mostrarem que são tão incompletos e medrosos quanto todos os outros dançantes iniciantes. Esquecem que a luz já acendeu, e esquecem que “O Soool já raioooou!” para continuar abençoando o bendito maestro que inventou o botão “Só mais 10 minutinhos, por favor!”.

E assim, pernas se cruzam e cidades se desencontram só pra provar que nenhum salão é grande demais para quem sabe bailar com simplicidade, sinceridade e entrega…


Pequeno, singelo e sincero….

E de repente, no bolso da camisa acostumada a despertar tarde, vejo que ainda está lá a linda rosa e o bilhete apaixonado, aumentando a saudade, alimentando a angústia e inspirando a beleza…


Precisa falar algo?

Pois saiba que através destes olhos

leio textos brilhantes

sedutores

calmos e intranqüilos

 

Escuto silêncios

e fotografo no escuro

teus seios, teus lábios quase carnudos

teu sorriso alvoroçado

e teu suspiro mais profundo

 

Sinto que nunca mais

poderei sentir mais que isso

…mas logo depois

na manhã seguinte

vens com aquelas músicas

e me mostra que ainda há um abismo

6 633 000 000 000 000 000 000 000 000² átomos possíveis

para preencher com um gostar espontâneo

doce, macio

os planos de saudade que parecem nunca mais querer nos deixar a sós…