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Silêncio

Se o resto é o silêncio, me sobra pouco. Me sobra quase nada. Um bom carmenère, contatos esporádicos de  diferentes graus, e uma vã tentativa de aproximação.

O que acontece depois do coice, e do coito, é inválido. Não invade nem a ipseidade ou a mesmidade. Não narra nada, não conta ou versa sobre o mundo fantástico das ruas sujas, muito menos sobre aqueles que não usam mais suas macias roupas íntimas.

Se só não há merda que se compare com a merda da pessoa amada (vide Leminski), não se pode deixar de lado o fedor horrível e pérfido de fotos jogadas no porão, de uma vida medrosa sem música, sem amigos e sem nenhum gole de vinho.

Entre um devaneio e outro, surgem cigarros que teimam em driblar a disciplina de um corpo indisciplinado, afligem pulmões que não sentem mais arrepios, dilaceram estômagos que não se preocupam mais em ficar vazios, e afrontam “razões” que vão além da estática do frio.

Se ela resolveu não responder, é porque tem a liberdade para fazê-lo. É porque assim me sinto melhor, e faço com que o mundo complicado dos afetos e sentimentos seja menos doloroso para aqueles que me cercam.

Pobres Marias, Josés, e tantos outros que tardam em concretizar a certeza de uma vida vivida sem restrições ao exercício de afetos sinceros…


Aqueles olhos tortos…

* Texto apresentado no II Encontro sobre modernidade, pós-modernidade e imbecilidade afetiva, realizado na passagem Outono, Porto Alegre, RS, Brasil, entre os dias 5 e 6 de abril de 2011.

Misturou-se ao sono a idéia de que sentia muito menos que poderia. Se viu um idiota, um imbecil, arrogante, pretensioso. Um sujeitinho qualquer, que além de gostar de Beatles, também não conhecia nada de Villa Lobos, Vitor Hugo ou Rembrandt. As dúvidas e todas suas prerrogativas passavam bem longe do que tomava por realidade, do que tinha como vida plena, e não conseguia nunca achar uma áurea medida.

Abarrotado em perfídias e notas morais falaciosas, sentiu novamente saudade, angústia, aquele frio na barriga comum de adolescentes e a mais perfeita insegurança infantil.

Foi só olhar profundamente para bem dentro dos olhos castanhos, escuros e secos que o self foi totalmente desmontado e questionado. Foi olhar para dentro daquelas jabuticabas saborosas e suculentas (porém ainda secas) que a imagem de um grande rockstar se formou como “realidade”, ante suas idéias modernas e ao mesmo tempo retrógadas e incoerentes. Foi ao ver seu reflexo em lábios finos, ao olhar para aquela brilhante bola de gude no meio de pálpebras e pupilas doces, que lembrou da dilatação do tempo, das coisas duráveis, das notas de um cheiro embriagante e dos instantes que agora faziam só parte de um passado impossível de ser revigorado.

E foi só por causa daquela simples manhã, que mudou completamente sua postura, que resolveu arriscar uma aproximação que provavelmente seria ignorada. Por uma benção de Eros, Baco ou até mesmo Hades, ela subiu as escadas outonais de uma cidade antiga, dizendo, a cada passo, que aceitava, pelo menos temporariamente, o convite. Veio nestes passos, passo por passo, procurando (com aqueles mesmos olhos) um traço de verdade, companheirismo e amizade que talvez tinham restado na consciência pouco equilibrada do rapaz que costumava sempre teimar em sempre andar nunca acompanhado.

No final das contas, se viu subindo o moderno andaime, após 61 palavras morosas sobre a academia, e algumas reflexões sobre amizade, afeto, e cerveja quente. A embriaguez não tinha mais volta. Agora, só se jogando pela janela, e nem mesmo isso seria possível sem uma afiada tesoura. Os olhares cada vez mais cortantes e aquele cheiro (ahhh, aquele cheiro) misturado a miados, contos, discos e livros re-vistos e re-visitados o colocavam cada vez mais na posição mesquinha – um tanto católica e hermenêutica – de sempre se perguntar se tinha ou não tinha culpa sobre tudo aquilo.

No final, descobriu que tinha. Descobriu que a cachaça não era tão forte, e que a ausência das sonoridades dos balcãs é muito menos suave do que uma distração pueril de internet. Se deu conta que referências fílmicas são sempre novos filmes, velhas críticas e estruturas onipresentes. Descobriu que havia muitas cobertas rasgadas, muitos cigarros divididos e muitas músicas baratas. Foi aí que o choro veio; algumas lágrimas ao lembrar do Beatle, do pai, da vida, das escolhas e dos erros.

E no final, o prazer nunca foi tão efêmero e vazio. Quase uma vingança, freudiana talvez, e não kantiana. Um beijo na bochecha, a queda pronunciada e anunciada, 1661 trocas de salivas gorfando na volta pra casa, toda uma vida entre 25 e trinta e poucos anos. Uma maravilhosa experiência destroçada entre egoísmos e muitos outros ismos, entre definições pouco certas e sentimentos mais confusos que bicicletas na China.

Ah… aqueles olhos tortos,

meigos,

doces

e teimosamente

castanhos.

O triste fim de uma morte não anunciada

O saboroso teor de saudade, suor e cerveja

 


Pobre de mim

O futuro foi sempre incerto

a porta escancarada

o coração desacelerado

e o medo covardemente debochado

 

Sempre devia e não valia nada

Sempre andava na corda bamba

tinha medo de brigadianas

E a coragem de andar pela rua com uma alma abnegada

 

Devia 2 mil contos de réis para o banco

Dois atropelamentos para a insanidade mental do vizinho

2 beijos antes de  sair para o carnaval sozinho

e 20 tangos escritos em branco

 

Já tinha escrito sobre medos

Emprego, desemprego e sobre o espaço

Já quis ser vagabundo, flaneur e Picasso

Mas hoje é só um poço triste de segredos

 

Um eterno devir

Alhures esquecido

Com tesão retraído

Pobre de mim, esperando a vida sorrir

 

 


Tem dias que nem querem ser dias

Tem dias que qualquer música é uma música de amor

que qualquer melodia te faz chorar

Tem noites que até parecem dias

e dias que parecem noites sem luar

 

Tem vozes que as vezes só se escuta sozinho

e pessoas que só se vê no meio do caminho

amores que se descobre em desespero profundo

e acordes que querem abraçar o mundo

 

Tem vezes que alguns lugares nunca são o suficiente

que nunca a cerveja estará gelada

que em pleno auge da madrugada

a melhor solução seja dormir sem estar sorridente

 

Há instantes incompreensíveis

e confusões irreparáveis

Há palavras de agradecimento

e xingamentos condenáveis

 

E há também dias que não querem ser dias

paixões que não querem ser vistas

beijos que não querem ser molhados

e sinônimos que não serão nunca parafraseados

 

Tem vezes que é melhor nem saber,

ou torcer para escolher a hora certa de começar

Tem potências em que é melhor não pensar

e um segredo que nunca será possível entender


A primeira vez

* A idéia é a mesma: carregue o vídeo, deixe tocar e leia…

Era sua primeira vez. Pensou, levantou, rodopiou e desvaiu-se em pensamentos das mais diversas naturezas e intensidades. Ia dos problemas diplomáticos entre países distantes às saídas financeiras que teria que fazer para pagar a conta do mercadinho da esquina. Enquanto o toque de celular incomodava com “Respect” de Aretha Franklin ao receber esdrúxulas e medrosas mensagens, Volver, na voz pouco aveludada de Gardel, lembrava-o da incômoda saudade e tamanha tristeza que sentiria ao tomar as decisões que precisava tomar.

Como em todas outras estórias que as pessoas contam, e que a gente insiste em esquecer que viveu quando começa a contar outra, coisas simples e sentimentos sinceros eram subjulgados às lacunas do passado de outrém, e agora as noites eram assim, como se fossem sempre a primeira vez. Um desabafo mudo queria gritar aos mortos e abutres que tudo poderia ser bem mais simples, e que nada disso era necessário para provar algo que as atitudes práticas, conscientes e inconscientes não param de dizer.

Na segunda vez, o que incomodou foi o calor e a tristeza, de novo. Revirar mensagens e lembranças bonitas de nada adiantava. Era apenas uma astúcia que de nunca fazia sentido, independente do sono ou do peso que o cansaço imprimia ao jovem corpo. Na sala, o problema com novas e antigas camisinhas continuava sendo insolúvel, ao mesmo tempo em que sua obsessão ética pelas coisas certas o forçava a recolher seus desejos a momentos muito, mas muito bem escolhidos. Rompantes abruptos de acesso a soluções individuais sempre eram esperados essa hora da noite, mas nunca tinham sido tão mal compreendidos por alguém antes, visto que isto só costumava acontecer quando estava sozinho.

Na sua terceira vez, tudo foi mais fácil. A cabeça girava em torno de algumas tragadas ilícitas e goles perdidos na estante de madeira. Histórias de antigos amigos e palavras eruditas de um conto policial de Borges ajudavam a superar o nervosísmo de ter que ser ele mesmo no outro dia; de ter que ser completo e imperfeito, sempre indo atrás de soluções e tomando a iniciativa de um relacionamento sincero com doses unidirecionais de companheirismo. No entanto, lá estava ele, novamente acompanhado da tristeza, da solidão e da fala de passos perdidos de uma noite suja.

A última vez foi a pior de todas, porque desta vez teria definitivamente que ser a última, pelo menos a última daquela noite. O relógio não despertou, e talvez por um azar disfarçado de sorte, um vizinho resolveu moer os ossos de sua ex-mulher depois de triturar, rasgar e afiar suas facas por mais de cinco vezes ao ler em um conto de Poe que cimentá-la no porão não resolveria nada. Mal sabe ele que para este tipo de problema não há solução. Se Cervantes, Freud e nem Chico Buarque conseguiram compreender a complexidade de almas tão belas e poderosas, seria mais fácil comprovar a existência de qualquer deus do que entender a viscitude das moças de fino e/ou grosso trato.

E assim, na outra noite, quase tudo se repetiu. Acordava e resmungava, levantava suado, preocupado, triste e sempre angustiado com a manhã seguinte, e sobre como iria agüentar mais uma dia ensolarado sendo ele mesmo, mesmo não sendo quem ela queria que ele fosse…


Invadindo Álvaro de Campos, pois grandes são os desertos

*espere o vídeo carregar, ponha pra tocar e leia, por favor…

Um misto de cansaço, desespero, ansiedade e angústia pelo futuro sempre incerto arrebata meu espírito já desfalecido em saudade e longas imagens para tentar compor uma milonga em sonhos, um sono delirante e pouco estimulante.

Enquanto aguardo o sono, torcendo para que a estafa do dia se transforme em repouso, vendavais, chuvas e trovoadas removem dos bolsos o que ainda resta de valioso. A ilusão adolescente de uma vida tranqüila e/ou uma profissão satisfatória já é uma luz parca; a fonte de desejos já tem pouca água vertendo e pareço não acreditar no que prevejo.

Pois, grandes são os desertos, e maiores ainda os erros. Pior quando estes tolos amigos, que insistem em acompanhar uma vida comum, parecem previsíveis. Insensíveis, donos de trevas invisíveis, onde um ato falho e fálico esparso pode me levar a mudar um rumo sem destino, traçando uma linha que de alguma forma pode trazer uma alegria e felicidade já deixada de lado por este ex-ponta direita, ex-meia-cancha, ex-qualquer sonho ou vida esquecida, e que agora só acompanha Portalupi do alambrado, quando possível.

O bilhete para a vida se anuncia rápido e efusivo como um berro de alarde, de acolhida e responsabilidade. Se grandes são os desertos, e tudo é deserto, vislumbro um futuro não muito distante onde terei que enfim arrumar minhas malas, aborrecer-me com mudanças de sorte, me alegrar com golpes do “destino”, e como diz o antigo poema, [pedirei para comprarem chocolates à criança a quem sucedi por erro /e que não se esqueçam de tirar a tabuleta porque amanhã é infinito]

Vale a pena haver a vida? A minha talvez não, mas as que por mim se sucederão, talvez sim, meu caro irmão. Passarei pelo resto do tempo que hei de ainda existir, se assim meu lado esquerdo preferir, arrumando malas, ouvindo de outros julgamentos e pedidos de reparação, súplicas para que eu peça perdão, para enfim, ser alguém que faça tudo valer a pena, mesmo que em vão.

Quando um dia desses acaba, é porque parece mesmo que não acabou. Se eu pudesse, já acordaria perfeito, menos pérfido e incerto, muito menos criança ou pouco menos burro, adolescente impuro, no outro alvorecer radiante. Por que, parafraseando mais uma vez o velho poema, [hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado) senão saber disto: grandes são os desertos, e tudo é deserto.  Grande é a vida, e não vale a pena haver vida]


Metamorfimso inconseqüente

Se tudo muda de uma forma quase inconseqüente, incoerente e incontrolável, é preciso entender que viver não é preciso. Não, isto não é uma carta de despedida de um suicida. Viver é impreciso, e perigoso na maioria das vezes. Muito, mas muito perigoso. Independente de cartas, posição de astros ou previsibilidade astro-física do ordinário, a imprevisibilidade de algumas reações enlouquece qualquer “terrâneo” louco de cara.

Por um porre na calçada ou por uma boca beijada, jogamos fora toda coerência possível e impossível de ser e existir na leveza complexa da dita cuja modernidade. Enquanto vivo as esperanças de um futuro novo affair, me vejo diante de uma eternidade de dívidas, dúvidas e discordâncias que não são nenhum pouco razoáveis.

Deixo de lado o corpo, morto, o calo e o falo brocha, o casco do orgulho e me jogo prasm cabrochas, sem saber fazer samba, sem morar em casa e na corda bamba. Veja só você, que re-inventa pecados e mostra-se sempre bela e sensível; você que se diz única e frágil, ao mesmo tempo assina meu atestado de impulsivo, de imaturo e nocivo. Veja as ruas e as pernas que passam por cima de faixas de segurança, destroem minhas lembranças felizes de um dia ser criança sem reponsabilidade e tomado de uma infindável esperança. Queria tanto ser jogador, talvez ator, coitado ou lixeiro desempregado, mas nunca um acadêmico punheteador de causos e de um “interpretativismo” sínico e mal-passado. Mal comido, mal fodido, sem tesão, sem vontade ou sem expectativa de consagração.

De todas as drogas possíveis, experimentei quase todas, sobre todas as formas e todas as correntes. Nem Bará me ajuda, nem permuta torta de conduta, nem a psicopatia de um bar e o abandono do lar, nada é capaz de tirar de dentro dessa cabeça oca a angústia e ânsia de querer cada vez mais estar e ser assim, junto, sempre desqualificado. Vidinha comum, por favor não sinta-se culpada, nem interrogada, forçada, ó vida desarrumada.Não sinta-se sentida nem perdida, apenas não sinto.

Se um dia voltar a sentir, te aviso, mesmo que mentindo, de verdade.

Saudade…


As escritas da história

Minha tristeza de estar pelo último dia em Buenos Aires parecia se dissipar quando acordei e o feriado começava com um belo Sol. Enquanto alguns esperavam o agente do censo 2010, que na Argentina é feito em um só dia, outros faziam seu mate e passeavam rapidamente com o cachorro.

Eu e meu cicerone nos preparávamos para tomar um bom café e sair para caminhar, olhar para mais uma ínfima parte de um infinito universo porteño que a cada dia me deixava mais interrogado sobre a “natureza” dos hermanos quanto ao tratamento do sujeito próximo. A simpatia com que senhoras nos agradeciam na rua ao dar licenca, o respeito de alguns motoristas na hora de parar na faixa de segurança, e a rodada inteira do Apertura passada na TV aberta me diziam que os tempos de crise estavam sendo transformados em um tempo de expectativas muito menos cinzas que o inverno a beira do rio da prata, e que muito da fama dos hermanos passava pelas nossas subjetividades e nossas posturas coletivas. (que novidade, saber que a identidade e alteridade trabalham com um registro muito mais dialógico que discursivo). Ao mesmo tempo, por outro lado, algumas inchas, principalmente a de um time de imbecis que todos se iludem ao chamar de clube popular, jogavam objetos no campo gritando cânticos xenófonbos.

Os ares dessa latinidade andina e pouco conhecida pelas bandas da Recoleta, ou até mesmo pelas de Avellaneda, tomavam voz pelos pedintes na rua e por pessoas mexendo nas lixeiras. Porém, como muitos jornais afirmavam, dos mais peronistas ao próprio Clarin, a Argentina parecia estar mudando. Minha impressão, como turista, foi tomada por uma áurea estética muito diferente do Brasil. Uma linha de metrô com mais de 80 anos, prédios em ruínas ou restaurados mais velhos que Porto Alegre, me faziam crer que algo acontecia, e que os ares provincianos conseguiam manter um certo equilíbrio que o cosmopolitismo de uma cidade com o tamanho de Buenos Aires e o provincianismo de uma ex-colônia espanhola exigia.

Por las calles...

Ao ligar a TV do dia 27 de outubro, comecei a me sentir parte da história fantástica, personalista, apaixonada, contraditória, factual e ideológica que os habitantes da Argentina, de maneira geral, viviam desde seus pequenos passos e cânticos de apoio nos estádios. A voz coletiva na Argentina tem poder, e ameaça até mesmo os poderosos que contam com ela. O próprio Peronismo, que não é nenhuma unanimidade no país, usou de maneira quase ditatorial a força para calar essa voz multiplicada. Se há inchas que cantam pela expulsão de Bolivianos e Peruanos da Argentina, há outras, muito próximas, que cantam os dias de “glória” em que o estádio foi tomado para que o clube não decretasse falência, e que vai para o estádio com chapéus de operários, cantando “así soy jo, uma hinchada diferente”.

O que estava escrito no aparelho televisor, nas linhas abaixo da fala de um jornalista engravatado era claro, porém nada compreensível: “Se murió Kichner”. No meio de manifestações de apoio a Cristina e poucas buzinas na rua, a calma do Censo agora já havia se transformado em um silêncio de luto. O cinza de alguns prédios já tinha uma força maior que o azul tímido do céu sem nuvens, e a minha sensibilidade já se efacelara há muito tempo.

Não há outra saida. Vamos viver as ruas, sentir o que acontece, e o que está acontecendo! Antes de disso, recebemo o recenseador, e respondemos a rapidas perguntas, noa sentindo cada vez mais parte da escrita da história porteña. Ao caminhar pela Entre Ríos fechada com a Polícia Federal cercando as entradas, e chegar a frente do Congresso, onde todos os canais de Tv montavam seus equipamentos megatrônicos, me tomei por uma sensação de inexistência total. Toda minha individualidade parecia desaparecer e esmaecer diante do imponente prédio, da inevitabilidade do tempo vivdo em rupturas, e da incerteza que as faces e as conversas das pessoas traziam a tona para o asfalto cada vez mais negro em frente ao cinza do Congresso.

Porém, como todos parecem saber, o que acontece em Buenos Aires, e o que pode acontecer, fervilha mesmo é no tom rosa da casa em frente a Plaza de Mayo. Se há como entender essa voz coletiva, essa mobilização do povo na Argentina, é preciso começar por alí. O clima, como parecia, se confundia entre apoio e orgulho peronista,  que se expressava em cânticos e hinos trabalhistas por pessoas de diferentes idades, cores, descendências e inchas. De outro lado, o luto era evidente nas bandeiras com a faixa preta sobre o celeste e branco a frente do sindicato Metropolitano de Técnicos e Profissionais Peronistas, no olhar amargurado e inseguro de mães com panos brancos na cabeça, e em pessoas às lagrimas comprando flores para homenagear o ex-presidente.

Em frente a Casa Rosada, trapos, bilhetes, bandeiras, e rosas brancas. A cada minuto a multidão de multiplicava e aumentava. Repórteres do Canal 26 e da Tv Pública também se empurravam atrás de testemunhos tristes e boas imagens que seriam re-transmitidas para quem ainda esperava o censo antes de ir para rua chorar ou até mesmo comemorar. Aos poucos, vi a importância de Kichner para seus seguidores e para seus inimigos. Dentre muitos escritos, os que impressionavam eram os que diziam “Nestor, Eva e Perón juntos no céu, força Cristina”, ou então, “Mais do que nunca, agora são todos com Cristina”. Todas as contradições possíveis da política e do cotidiano argentino se anulavam e a tristeza se metamorfoseava em uma esperança de que todos se tornariam peronistas, ou começariam a aceitar o Partido Judicialista como uma das únicas saídas para o desenvolvimento do país.

O grande problema desta paixão toda, com certeza, é essa visão limitada e a diminuição do senso crítico com relação ao seu próprio rumo. No entanto, na comparação com nossa política tupiniquim, tudo la parece ser mais “honesto”, apaixonante, e vivido em toda sua potência. O que mais impressionou, no entanto, foi o que muitos “pensadores” e “teóricos” falavam na TV a noite, mas que pude perceber a tarde: sendo bom ou não, os jovens argentinos voltaram a se preocupar e participar da política. Os direitos humanos tinham outro espaço, e havia também um apoio massivo de imigrantes peruanos e bolivianos a Kichner. Com certeza algo havia mudado, e com certeza os rumos eram mais que incertos. – eram sinuosos!

Na tv, o debate era sobre o futuro incerto da política argentina, o poder na mão de um grande sindicalista, e a tristeza que se transformava em luto. A única parte ruim foi ter que ir embora. Com certeza acompanhar a política e os caminhos do “poder” porteño pode nos evocar e nos trazer de volta a paixão de viver o cotidiano e a vida micro-social de uma forma muito mais vívida e menos burocrática.

Como se escreve e se inscreve a história na memória de uma população? A pergunta pode ser respondida de muitas formas, mas é interessante pensar como os fatos cotidianos, a experiência das pessoas para com esses acontecimentos fala sobre o que poderíamos chamar de “espírito das coisas”.


Todo cambia

O lado escuro dos sentimentos velados é sempre triste demais quando iluminado. Preciso lidar com a minha vida de caixa de areia e encontrar formas de limpar as cagadas do irreversível tempo…Ele não faz acordos, ele é e tem sido. Duro, rápido, lancinante e cruel. Se eu já estou cansado de tantas desculpas repetidas, imaginem os outros?

Em “anexo”:

São tantas saudades quebradas

tantos tempos renovados

camadas e camadas de um self renegado

destruido em todos os seus lados

que meu único devir

é estar como madeira a ruir.

Como peças barrocas, porém ocas

quase perfeitamente acabadas

em lugares sacros

em peitos grandes e opacos

no períneo de donzelas de fino trato

no meio do lixo e dos ratos!

São tantas saudades quebradas

tantos tempos renovados

camadas e camadas de um self renegado

destruido em todos os seus lados

que meu único devir

é estar como madeira a ruir

Como peças barrocas, porém ocas

quase perfeitamente acabadas

em lugares sacros

em peitos grandes e opacos

no períneo de donzelas de fino trato

no meio do lixo e dos ratos